O incidente com o super conteneiro Ever Given, da Companhia de Navegação Evergreen, de bandeira panamenha, trouxe consequências severas para o maior tráfego na ligação “Ásia-Europa”.
Sob a ótica da operação logística, a rota pelo canal de Suez (193 km ligando o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho, foi inaugurado em 1869 substituindo a tradicional rota pelo “Cabo da Boa Esperança” no sul do continente africano), por ele transitam diariamente mercadorias no valor de US$9,6 bilhões.
Em projetos de estratégia logística executados pela Vantine sempre consideramos os “fatores previsíveis”, ou seja, aqueles que oferecem alto grau de assertividade; “fatores imprevisíveis” tal qual na aviação que sempre decola para um destino com aeroporto alternativo, para o planejamento logístico, deve considerar o conhecido “plano B”.
Mas são raros os “fatores improváveis” considerados para análise de impacto. E esse incidente está aí classificado tal qual foi há exatamente um ano a “improvável pandemia que mudou o século 21”.
Consequências do incidente que não tem “plano B”:
- Interrupção do tráfego eleva o plano de utilização dos navios o que causa o “efeito chicote” e logo faltarão navios;
- Interrupção no fluxo (estima-se de 180 a 200) de navios gerando uma fila estimada entre 180 a 200 conteneiros, sendo que muitos petroleiros tenham decidido alternar para o Cabo da Boa Esperança. Consequência: alto potencial de stock out nas indústrias e “ruptura” no varejo da Europa;
- A falta desses produtos (que majoritariamente são componentes eletrônicos, peças de automóveis, produtos têxteis), devem causar a paralização de fábricas;
- Para ter ideia da dimensão da importância dessa rota, 12% do comércio global, usa o canal de Suez. Podemos imaginar por estimativa 200 conteneiros com média de 15 mil unidades cada, teriam parados 3 milhões de TEUs que já deveriam ter desembarcado nos portos europeus. Num ritmo normal do “tipo carrossel” o equilíbrio do sistema é dominado pelas ferramentas de otimização (que integra o fluxo dos navios com as capacidades operacionais de estiva dos portos). Com essa interrupção, a retomada do canal deve levar a gigantesco congestionamento e haverá falta de píeres de atracação nos portos;
- Outro reflexo ainda não contabilizado está na imensa quantidade de contêineres armazenados nos portos que deveriam ser carregados (cheios ou vazios) nos navios para próximos destinos (maioria retorno para a Ásia). Isso exige elevado grau de agilidade para as operações logísticas nos terminais;
- Boa parte dos profissionais de logística não tem muita afinidade com o sistema Just in Time, mas parte das grandes corporações apostaram nisso reduzindo drasticamente os estoques de materiais para a produção (ampliando o ganho financeiro de capital) que deixou de ficar parado nos armazéns. Certamente o impacto imediato ainda não está calculado e nem mesmo quais soluções serão implantadas;
- Um impacto desse improvável incidente, ainda não analisado profundamente é a percepção sobre a globalização, especialmente o desequilíbrio causado pela China no comércio internacional. Estou certo que as empresas globais, tanto indústrias como de varejo real e virtual devem rever suas estratégias de gestão da cadeia de abastecimento. Afinal: dois fatores improváveis no mesmo ano são preocupantes;
- No ambiente industrial, o grande “vilão” do planejamento sempre foi a “previsão de vendas”, um pouco amenizado com ferramentas tecnológicas e de Inteligência Artificial suportando os processos de S&OP. Acredito que doravante devemos ter “2S&OP” (S de Supply, S de Sales);
- A rota via Cabo da Boa Esperança nunca foi “plano B” para o canal de Suez. Primeiro porque o transit time nesta rota é estimada em 11 dias contra 30/35 dias pelo sul da África (região intensa de pirataria). Qual a consequência? Três vezes mais volume de produtos no pipeline, mais navios, maior custo de transporte, maior consumo de combustível, maior impacto ambiental.
Fonte: https://revistamundologistica.com.br/artigos/o-impacto-do-improvavel-na-logistica